domingo, 27 de fevereiro de 2011 1 comentários

Tempestivo

Talvez chova hoje aqui dentro de mim.
Talvez chore aos montes, ergam-se pontes,
Iludam as dores que eu nunca senti.

Quem sabe, as minhas velhas fontes
Se encontrem nos rios de algum andarilho
Que trilha caminhos traçados de longe.

Um dia, ou noite, eu volto tranquilo
Trazendo na mala as nuvens dos sonhos
Das vidas dispersas, do mundo antigo.

Na volta pra casa, me perco e me encontro,
Me jogo, me iludo, e vivo bastante
O que a chuva de antes levou em seu brilho.
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Samba de bar

Desce uma cerveja bem gelada
Que hoje eu sofro do mal de amor.
Traz também aquela cachaça amarga,
Que hoje eu quero flagelar-me com essa dor.

Muda esse disco de canções alegres,
Por que a tristeza é mais poética.
Tudo o que eu canto agora não se mede,
Serve-me de espanto para as minhas dores céticas.

Traz também um violão que é pra eu musicar as minhas rimas
Que para sempre foram guardados no meu bolso.
Quero entregar a ela uma canção mínima
Que descreva toda a treva que emana do meu rosto.

Chama ela aqui, que ela tem que me ver sofrer.
A compaixão também tem que machucar.
Chama ela, que ela tem que me ver morrer
Da solidão que o beijo dela há de me condenar. 
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011 0 comentários

O velho coração

Quero mais é gastar meu coração.
Estar em muitos, sentir um tudo
Que só no mais desengonçado prumo
Seria possível compor uma canção.

Quero entregar o peito inteiro
Para que quem estiver sozinho possa deitar,
Trazendo um pouco de carinho a se deleitar
De um corpo único. De vários jeitos.

Quero entregar o coração aos pedaços
E nunca deixar que alguém fique de fora
Dessa partilha simples que outrora
Eu fiz às pressas, sem olhar pros lados.

Quero que, ao fim, ele esteja aos frangalhos,
Gasto como um sapato velho, em uso.
Que volte forte, fraco e muito mais justo
Do que fora antes de tornar-se alado.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011 1 comentários

Auto-explicação

Ser poeta é ser um ser meio absurdo,
É ver no peito as sensações do mundo
E, ao mesmo tempo, nunca poder tê-las;
E no enganar dos olhos, é sê-las.

Suas palavras o tornam intocável,
Inelegível, angustiado, indecifrável;
Ao mesmo tempo em que o simplifica
E torna fácil explicar as outras vidas.

Ao que promete é posto que se cumpra,
Nem que para sempre carregue consigo a culpa
De descrever, de novo, um adormecido sonho.

Pois some aos poucos na penumbra branca
A acender nos outros a sua chama
Que pulsa solta em seu desvario pronto.
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Inatingível

Eu quero ter o amor dos loucos,
Um amor injusto, igual aos outros.
Um amor que seja meu até o fim.

Eu quero em mim o amor dos mundos
E que me faça do normal, um absurdo,
Que não espere algo que venha de mim.

Quero que seja ele, então, tão puro,
Que reja a vida, que vá ao fundo,
Que nem eu mesmo possa entender.

Eu quero ter o amor dos pobres,
Que tem o outro como um suporte
A enfeitar seu coração.

E quando o meu amor se for,
Quero que leve de mim uma parte
E que deixe a sua a completar minha metade.

Pois no momento que este meu amor chegar,
Quero-o repleto. Quero que seja muito,
Que seja único, que seja vários; seja completo.
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011 0 comentários

Soneto de inspiração

Um dia eu hei de encontrar um verso
Que te descreva e que me conte
Toda a grandeza e a candura da tua fronte
A furtar toda beleza que há por perto.

Quero ler-te, assim, em noites ausentes,
Nos meus lençóis de seda alva
Que guardam o cheiro da tua alma
Para suprir a falta da tua pele quente.

Gritá-lo-ei, por fim, aos cantos do mundo
Para encantar a todos e tocar no fundo
Do peito que soluça tão distante de mim.

Se mesmo assim, não for bastante forte,
Escrevê-lo-ei na pele, como um corte,
Para que eu te tenha comigo até o fim.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011 0 comentários

Auto-retrato

A frustração do poeta é ter, em linhas, todo o amor do mundo
E, ao mesmo tempo, guardar no peito um coração feito de chumbo
Que o impede, então, de tê-lo; mas bate lento a um compasso único
Das dores alheias que expressa do seu jeito.

De um pedaço de vida, assim, tão torto,
Faz a rima que lhe foge a sua alcunha;
Que denota um sentimento que tivera há pouco,
Na entrelinha que sempre esteve muda.

Mas o poeta só queria ser o seu leitor,
Que se deleita em suas palavras;
Faz das frases um abrigo, sua casa
E pode, enfim, compará-las à sua dor.
 
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