segunda-feira, 30 de julho de 2012 1 comentários

Sobre as coisas que completam os mundos


É chegado mais um dos muitos fins. Aqueles que a gente guarda na memória pra recomeçar e fazer tudo de novo e bem melhor. Foram nove dias que a cidade se veste com uma única roupa: aquela que se guarda pros momentos mais especiais e, quando tira do guarda-roupa, enche de graça até os olhos mais distraídos. Os nove dias são capazes de manter consigo uma plenitude ímpar. É como se o ano começasse a partir de agora.
A festa é feita dos incontáveis sentimentos: os sorrisos que rasgam as faces rígidas, as lágrimas que lavam as almas multicores, a fé que mantém erguida os espíritos e corpos alheios, os reencontros que confortam os peitos ansiosos, os dobrados da “bandinha” reverberando pelas ruas e ouvidos atentos. É aqui que contém a mágica de todas as coisas: são as pessoas e suas sensações que deixam o cheiro forte de todos os prazeres.
E quando finda a última noite, quando os fogos iluminam o céu, muitas vezes, estrelado, enche-se de saudade cada canto e cada espaço. Aquela melancolia que vai se exalando na cidade deixa um certo charme que nos aperta o peito. Essa saudade nos invade e nos faz perceber que cada momento valeu a pena. Faz-nos perceber que o próximo ano é mais um ano que nos aguarda pra podermos, mais uma vez, sermos mais felizes e completos do que nós mesmos queremos. Afinal de contas, saudade é aquilo que o peito guarda, de um amargo jeito, e que se esvai como o suor, no calor de cada abraço, de cada beijo, de cada troca de olhares.
Os olhos cansados procuram algum dos rumos que guardara outrora. As bocas que se encostaram durante os momentos mais frenéticos, agora procuram umas as outras, de forma a querer provar mais uma vez o que antes foi bem passageiro. Os próximos dias guardam o gosto doce que nos invade a alma e nos faz vê que cada um que passa pelas calçadas vazias não é só mais um, mas sim aquele que também fez parte dos momentos. Foram eles que fizeram parte de nós.
Nos instantes mais marcantes, quando a procissão rasga a cidade, cada passo que se dá reflete e ecoa a fé que cada um tem em si ou em algo que não tem explicação, mas nem precisa explicar. Basta ter e sentir! Os pés se transformam em asas a flutuar em um asfalto que mais parece nuvem e as mãos seguram suas devoções com a maior força que o corpo já ousou fazer.
E assim, o mundo segue. A cidade tira a sua roupa pra guardar, mais uma vez, no espaço que o coração de cada um deixou exclusivamente pra isso. A falta já começa a dar os nós na garganta. Mas esse gosto agridoce que a saudade nos faz saltar à boca nos deixa uma única certeza: os momentos para serem vividos foram arquitetados e erguidos em uma fé, devoção e amor, que no próximo ano se renova sem o mínimo receio de existir. 
terça-feira, 29 de maio de 2012 0 comentários

Agridoce


Quisera eu guardar dentro do peito
A dor de amar-te infinitamente
E te dar em lagrimas o meu presente,
Da minha metade para o teu inteiro. 

Quisera eu ser um tanto mais forte,
Que leva na pele todo o teu cheiro
E vê teu olho na imagem que o espelho
Engana minh’alma, que sonhou outrora. 

Pois tenho na boca ainda aquele gosto,
Cravado na pele em mim assim tão posto,
Do teu lábio aberto ao te fazer sorrir.

Assim, ao me contentar com tão pouca coisa
E sofrer um tanto por tornar-me louca,
Serei a outra só pra te fazer feliz.
quarta-feira, 14 de março de 2012 3 comentários

O que seríamos se não fossem as rosas?

Gosto de todos os tipos de rosas. As belas, as disformes, multicoloridas, as amassadas nas páginas dos livros, as sujas pelo tempo. Gosto ainda mais quando essas mesmas rosas são tidas como gente, ou vice-versa. Mas tenho um carinho maior pelas de coloração azulada. Não sei! A impressão que tenho é que Deus deve ter tirado do homem o seu lado feminino e tê-lo entregue de volta para que pudesse possuir um pouco da delicadeza que nos é necessário. Rosa azul, para os mais turrões, pode ser coisa de macho, por que não? Pode ser um presente que a terra nos dá antes de nos devorar.

       Nunca entendi a razão pela qual existe toda essa separação pelas cores. Parece preconceito inserido na flora. Nessas horas, deveria haver um daltonismo generalizado. Daí eu queria ver as preferências se manifestarem assim tão claramente, só pelas aparências. As rosas azuis também têm seu encanto, sua magia, seu perfume, sua personalidade. Rosa azul é igual a som de rádio: a gente gosta pelo simples fato de nos fazer bem e muitas vezes não entendermos.

Quando todas as rosas inventarem de ter voz e decidirem desabafar tudo que está engasgado em alguma parte delas, teremos, enfim, um verdadeiro movimento reivindicatório. As vermelhas serão acusadas por criarem um padrão de beleza diferente e que massacra e ofusca a beleza das outras cores. Parecido, assim mesmo, com coisa de gente. Aliás, a impressão que tenho é que rosa é uma “gente” que não anda só. Tenho pra mim que elas são bichos sensíveis e agressivos, feito mulher e homem quando inventam de se juntar. A razão de tanto espinho é o fato de querer estar sempre ao alcance de todos os olhares, feito coisa de “gente”, repito.

O que sei é que, sejam elas a cor que for, a forma que for, há em cada exemplar uma personalidade que só se pode encontrar numa única pigmentação. A sorte dessas outras rosas, incluindo as azuis, é que a gente gosta de vários tipos de personalidade. A gente só gosta mesmo quando o belo ou feio nos completa naquilo nos faz falta.
segunda-feira, 12 de março de 2012 0 comentários

Descrição

Não há nada mais poético do que a tristeza,
Já dizia um poeta sem escrúpulos.
Pois tolo era, até ver que as incertezas
Nada mais eram que os pedaços do seu mundo.

Poeta inteiro é aquele que divide
E se alimenta de toda dor alheia.
Não é poeta o sujeito que em vida
Nuca sofreu ou foi, contudo, uma pureza.

Sua poesia é carne que sangra em grande dor
Nos olhos carnívoros de todo leitor
A esperar sentir-se inteiro em cada palavra.

E quando encontra um pedaço que é seu
Ou uma rima que, por inteiro, o descreveu,
Sente um prazer por onde a pele não tragava.
domingo, 11 de março de 2012 1 comentários

Da dor oculta

Há quem não encontre razão em uma ferida
Tão quente ainda do seu golpe rápido,
Sentido na pele quando ainda calmo
Entregou às pressas toda sua vida.

Há quem sinta medo de não ver saída
Em cada noite escura que mora ao lado.
Esquecem-se todos que em todo abraço
Ainda se encontra um pouco de alegria.

Mas, mesmo assim, todo inverno machuca
Quando traz consigo a amarga chuva
E o rápido vento que fecha as portas.

Pois todo sentido terás quando o corpo inerte
Finalmente encontrar no seu caminho as vestes
Para se entregar de alimento às rosas.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012 4 comentários

Da matemática do tempo

Pois ter em mãos os grãos do tempo
É de uma responsabilidade desumana.
A gente guarda com tamanho zelo,
Como quem quer tomar em goles lentos,
Mas que acaba, no final, se engasgando.

Pois de todos os tempos, a língua saboreia em prantos
Todas as mágoas de um falso desperdício.
No entanto, a boca ainda não se esquece
E guarda, como o peito guarda uma prece,
Os bons momentos que sobraram antes.
 
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